O poder da comparação

A influência da comparação na construção do corpo feminino

Quando nascemos, nossos corpos já são colocados em comparação, seja por peso ou altura. O bebê mais gordinho da maternidade é destacado como o Prêmio Oscar. Mensalmente, os pediatras vão cobrando o ganho de peso para desenvolvimento dos nenéns.

Com o passar do tempo, esse atendimento para as crianças se divide e difere. O cuidado com as meninas passa a ser com o controle de peso, afinal é notável que o corpo feminino se desenvolve e evolui com mais agilidade que o corpo masculino. Com a chegada dos oito/nove anos de idade, as meninas sentem essa trajetória para se tornar mulher de maneira mais brusca. De repente, o corpo cresce, os seios se desenvolvem, surgem os pelos e as curvas, os interesses mudam e a tão temida menstruação aparece.

Enquanto isso, a preocupação com os meninos ainda é sobre o peso. Eles precisam se alimentar, de forma saudável, para se tornarem fortes, precisam praticar esportes e viver a infância agitada, com brincadeiras.

A professora Ana Paula Santos conta que ela sente essa diferença de tratamento na sociedade com os seus filhos. O seu filho, Rafael, não ouve dos familiares que ele engordou, enquanto a sua filha ouve constantemente que está mais “gordinha”.

Nesse mesmo instante, para as meninas, surge a comparação – as “conversinhas e os “rankings”, que sem fundamento algum, elegem as meninas mais bonitas e gostosas das salas de aula. Os pediatras alertam sobre o peso e indicam uma dieta – daí que surgem as dietas malucas e ódio corporal.

“Desde pequena, eu sou “gordinha”. Aos 12 anos, eu desenvolvi uma compulsão alimentar e, desde então, eu nunca mais amei o meu corpo. Eu me vejo muito nos outros, vejo os exemplos na mídia e tento buscar por métodos arriscados para alcançar esses corpos perfeitos desde pequena”, relata Maria Fernanda Corrêa, estudante, 21 anos.

Segundo a psicóloga Fernanda Oliveira, especialista em transtornos alimentares, grande parte de suas pacientes se comparam com personagens vistas em redes sociais – influencers que possuem corpos específicos e alcançados com métodos inalcançáveis. Com isso, as pacientes buscam por shakes que prometem emagrecimento, para se sentir mais próximas fisicamente desse ideal de perfeição e de se sentir mais feliz como essas pessoas da Internet.

Fernanda acrescenta que a comparação é muito comum, por conta de perfis na Internet que disseminam a perfeição e mesmo que nós busquemos por perfis parecidos com os nossos, nós não iremos encontrar, pois não temos corpos padrões e conhecidos, ou seja, as pessoas não reconhecem seus próprios corpos, então, jamais encontraram e se reconheceram com perfis parecidos com os seus nas mídias. 

A infância, aos poucos, vai se diluindo e perdendo espaço. Afinal, as bolsinhas, sapatos, maquiagens e roupas de meninas-moças estão tomando o espaço das bonecas. Tudo é rápido, a cada minuto, inúmeras mudanças. De um dia para o outro, os seios se desenvolvem e a bunda cresce. Os meninos passam a nos olhar de outra forma.

De repente, as meninas, que ainda brincam de pega-pega, precisam se comportar como moças, sentar de perna cruzada e se comportar com maturidade, logo precisam ser recatadas, afinal, ser amostrada é coisa de mulher vulgar. Temos que nos comportar como a sociedade impõe.

“Eu odeio o meu corpo. Cada vez que eu me olho no espelho, eu fico deprimida. Por conta da depressão, eu acabo comendo mais, já que desenvolvi uma compulsão alimentar e com isso, o ódio pelo meu corpo só vai aumentando, eu não encontro uma saída. Me olhar no espelho sempre acaba sendo uma tortura”, diz Bianca Sanches.

Ah, quanto desespero e anseios! Chegar perto do espelho, usar um biquíni ou, até mesmo, uma roupa mais justa e com cores claras se torna um pânico… uma gordurinha começa a incomodar nas peças de roupa; as estrias, devido ao crescimento aparecem, os hormônios se encontram em ritmo de bagunça e as espinhas e cravos se tornam moradoras fixas das jovens faces.

“Desde pequena, sempre fui gorda. Quando criança, não me lembro de algo que me afetasse diretamente e me deixasse chateada. Na adolescência, eu buscava por algumas dietas para emagrecimento rápido. Já, hoje em dia, eu percebo que o mercado está mais aberto, eu tenho mais facilidade para consumir roupas, pois tem mais variedade, mas mesmo assim, eu sinto o impacto da sociedade da imposição do corpo perfeito, por meio das redes sociais, para o ideal de corpos esculturais de academia”, relata Rosana Barbosa.

Esse medo de não pertencer à sociedade, por conta da estrutura corporal, assombra as mulheres no momento de comprar roupas em lojas de magazine. A Bianca Sanches conta que a maioria das lojas desenvolvem peças, considerando corpos magros e retos. Ela tem muita dificuldade de encontrar roupas de maneira fácil, é sempre um estresse e ela acaba desistindo.

“Toda vez que eu tento ir nessas lojas mais conhecidas, para comprar uma roupa, eu saio chorando. As calças nunca entram no meu corpo, porque eu sempre tive muito quadril. Eu vejo outras pessoas da minha idade comprando nessas lojas e eu quero comprar. Eu até chego a comprar, mas nunca consigo usar as peças, porque elas não cabem em mim, são feitas pensada em um padrão magro”, conta Maria Fernanda Corrêa.

O padrão corporal, ou melhor, a construção do ideal corporal vem à tona no desenvolvimento dessas mulheres. Sabemos que esse padrão sempre sofreu alteração ao longo do tempo, vemos que na pré-história, os corpos mais robustos eram considerados o “belo”, já hoje em dia, quanto mais magro, mais aceito é.

“Há cinco (5) anos atrás, eu iniciei o meu processo de aceitação corporal, amor próprio e autoestima. Antigamente, eu buscava emagrecer e mudar o meu corpo – buscando por diversas saídas. Entretanto, depois de um tempo, eu percebi que eu gostava do meu corpo do jeito que ele é e que a vontade de emagrecer não era minha, era impulsionada por outras pessoas. Dessa forma, eu passei a seguir mulheres, com o padrão estético parecido ao meu nas redes sociais”, diz Carolina Barbosa, pesquisadora.

Podemos compreender que o processo de aceitação corporal está muito ligado ao autoconhecimento, que é influenciado e, talvez, até poluído pela comparação e busca pela perfeição ao longo da vida, como conta a Rosana Barbosa. “Eu nunca me coloquei em uma situação de precisar ser de alguma forma. Eu sempre tive a consciência de que eu preciso ser eu. Em muitos momentos, eu me questionei o porquê de não ser como as pessoas da Internet, por exemplo”.